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Historias
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A aurora abria-se e a claridade dos very-ligths vai sendo substituída pelo sol ainda pálido do início do estio. Como toupeiras negras, vamos emergindo do nosso buraco para o triste inferno a que fomos votados pelo governo republicano.
- Pedro de Freitas[3], ainda sobrou rum? – o lazarento cospe terra e acena-me afirmativamente.
Adoramos as manhãs, são tranquilas como a morte e isso é uma bênção caída do céu. Aventuro-me a pôr a cabeça acima da trincheira perscrutando o horizonte e a linha de arame farpado. Lembro-me subitamente das irmãs Ajus e Joé[4] e do seu famoso opiário por detrás do coliseu. A noite é terrível, em Lisboa a noite era a dança e o frenesim dos botequins, aqui é o triste inferno vivido na carne e agradecemos ao governo republicano por tal dádiva.
Uma hora antes do cair da noite aperta-se-nos o estômago, as sombras envolvem-nos e todos nos interrogamos:
O von da costa virá? A baioneta do boche irá tentar espetar-se-nos no bulho, deixando as nossas tripas pela lama?
Os oficiais da retaguarda não sabem disso, atulhados na burocracia do seguro bunker. Malditos! como eu os detesto! não sabem que de noite todos os medos estão à flor da pele. Não sabem que ou vamos de patrulha com o alicate tentando furar o arame farpado e tomar uma trincheira ou então ficamos à espera que eles caiem em cima de nós com aqueles elmos pontiagudos a gritarem pelo imperador.
Malditos oficiais de retaguarda! E quando não é isso, é o maldito gás debaixo da trabuzanada das metralhadoras.
Escutamos os ecos da guerra em plena escuridão e nossos corações são como as nossas olheiras, fundas e negras, sem esperança nem remissão. Lá estão eles, os malditos, a inspecionar-nos:
- Hora das visitas meu alferes, os caralhos não vêm de noite. – censura Pedro. À frente deles um oficial que tirou o curso comigo, André Brun de sua graça, parecia bem disposto depois de ter tido uma noite confortável com uma cama fofa de palha. Fuma uma cigarrilha e admoesta-me:
- Alferes Malheiro! existem homens que já estão a dormir vestidos encostados aos sacos, é uma falta de aprumo! E está tudo cheio de cartuchos vazios no chão, é um desmazelo!
- André Brun, você só serve mesmo para escrever comédias, não é verdade?
- Como?
- Nada. – Brun vê um livro de couro caído, apanha-o e abre-o, olha para mim e comenta:
- Então… se em vez de escrever, você tratasse do aprumo das trincheiras, estávamos bem melhor. - riem-se todos. Passa-me o meu diário.
Raios! quando é que eu escrevi isto? Foi ontem decerto. Ando mesmo repetitivo... pudera! todos os dias a viver o mesmo inferno, releio as primeiras linhas:
A aurora abria-se e a claridade dos very-ligths vai sendo substituída pelo sol ainda pálido do início do estio…
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[1] Escritor, jornalista e dramaturgo
[2] Frente da primeira grande guerra no norte de França
[3] Soldado que participou na grande guerra e que deixou um diário escrito
[4] Curandeiras vindas de Xangai, estabelecidas em Lisboa
O rugido, gutural e cavernoso, emerge do fundo lodoso da tenebrosa gruta ecoando nas falésias à beira rio. Pascásio de Dume retira a lança de caçar javalis da água benta empunhando-a atabalhoadamente, eu acalmo-lhe o nervoso pulso relaxando-o:
- Tenha calma Frei, ela não vai sair da toca, tenho que ir lá eu. – ele engole em seco coçando a tonsura.
- Deixe lá, é para isso que me pagam. – digo-lhe, pondo-me de pé, tomando o peso da azagaia e, depois de ajeitar a pesada armadura de escamas, continuo a confidência:
- Quando o Xamã me disse, na minha longínqua infância na estepe, que seria caçador, eu, na minha inocência, presumi que fosse treinar com os cães dos alanos, só me apercebi que a coisa era séria mesmo, foi quando o maldito feiticeiro me obrigou a tomar uma infusão de cogumelos mágicos. A contra-gosto bebi sabendo que aquela mistela provocaria visões, durante uma hora andei à volta com aquilo no estômago. Depois é que foram elas, o xamã levou-me a uma fenda…
- A uma fenda?
Relembro a dor ausente como uma súbita facada no estômago, …” encurvo-me derramando o hidromel pontapeando o banco e atirando a bandeja ao chão, lá fora o vento rugia. O huno pega-me pelos cabelos puxando-me a cabeça para trás e berrando-me ao ouvido:
- Não te apagues e abre os olhos! -mas parece que tudo explode na minha cabeça, a realidade contrai-se e dilui-se, sei que estou nu no chão e a cabana encolhe-se e aumenta…
- Concentra-te no fogo Dagoberto, é essa aessência deles!-Focalizo a fogueira, e ouço… ouço…os cânticos do xamã do país das eternas neves ressoando-me nos intrincados labirintos da mente. Parecia que estava de volta a algo, à minha infância, mas como posso recuar à minha infância? será que já cresci? Lentamente ou de repente, tudo se aclara e fico desperto tal qual falcão planando no alto da montanha brancaà cata de presa.
- Perguntas-te o que fazemos aqui?
- Eu sei o que fazemos aqui Mestre, vocês procuram dotados. – respondo-lhe. Dói-me novamente a barriga e torno a curvar-me, o cogumelo das visões cobra o seu preço.
- Sabes Dagoberto o homem para sobreviver sempre lutou contra quem o quer devorar e controlar, seres míticos e imortais que nos tentam sempre pisar a cauda.
- A cauda?
- Sim Dagoberto os homens já tiveram cauda e um olho aqui no meio da tua testa, o mesmo que estás a abrir agora. – noto que algo está lá fora a escarafunchar.
- Mestre…- pergunto febril..- Existe algo lá fora? no vento gélido?
- Sim, existe algo lá fora mas não estão no vento gélido, estão noutro nível, no dos infernos…- fico assustado.
- Queres espreitar? – leva-me amarrado aos ombros por uma frecha da tenda, o vento parará de uivar e a medo e com tremuras miro pela fenda através da escuridão. A princípio a visão lacrimejava e não via nada mas depois, algo se movia rapidamente nas trevas primordiais e eram vários e eram rápidos e pelos sons grotescos que faziam, estavam a devorar e a triturar o que me pareceu ser pedaços de nada, o mestre puxa-me de volta:
- Dago.. o que eles estão a fazer? pensacom teu terceiro olho, o mesmo que usas para os ver. - Raciocino e deixo brotar as conclusões óbvias:
- Eles estão a devorar a realidade, mas quem raios são eles mestre? – o huno torna a levar o meu terceiro olho à fenda negra da tenda. De novo enxergo; devoravam com as suas largas mandíbulas e seus afiados dentes pedaços de ar que se tornava matéria nas suas bocas como nacos de carne. Um deles, de pele escamada de cobra oleada, aproxima-se da fenda e põe-se a perscrutar-me com um olhar agudo de lagarto brilhante e amarelado, grito e tento escapar, o mestre puxa-me para trás e desfaz a fenda como se atirasse areia e terra para tapar um buraco invisível…ajoelho-me de cócoras.
- Água, água! Por Wodanaz! pelos nove deuses do palácio de estacas! mestre o que foi o que eu vi?...” Fico anestesiado olhando a gruta…
- Que é que viste Dadoberto?
- Freire, farás uma história sobre mim?
- Todos os anos te farei uma homenagem se a derrotares, mas… afinal o que viste…eram o quê? Rapaz! – encolho os ombros:
Detenho-me, preguiçosamente, a ouvir o vento uivando agreste pelas penedias e pelos altos e esguios pinheiros que atulham o sopé que nos dá proteção e guarida. O mesmo foi atravancado de pinhos há 300 anos atrás por um colono romano rico de nome Apiano, daí o monte se intitular de Apino.
Inicialmente servia produzir resina para calafetar os barcos, combustível para as tochas e pez para o exército. Agora, está tudo ao abandono, mas é bom! Nestes tempos de depredação é bom estar isolado com a minha dama cá em cima, produzindo carvão, resina, lenha, apascentando o gado, esse labor vai-nos dando algum sustento longe de tudo e todos…longe do céu e do inferno, num limbo natural periclitante em que só nos oiçamos a nós mesmos e é isso que faço. Longos dias em que me oiço a mim mesmo, com a companhia do feroz, ou do cabeça- dura ou uma mais selvagem que me vela distante à cata da sombra da minha comida. Lá está ele…um lince magnífico listrado que se confunde com o meio, chamo-lhe Constantino e penso no nosso último grande imperador. Fugidio, à cata, lambendo-se soalheiro alapado num penedio fragoso, quente de estio.
Mas o outono chega em ondas cada vez mais frias e eles já ultrapassaram os Pirinéus, pelo menos é o que a minha dama sussurra, ouvindo as vozes das aves. Eu, o contacto que tenho com os locais é quando, de mês a mês, um longínquo pastor me acena com o cajado do outro lado da falésia ou um lenhador mais afoito me pede para cortar as minhas árvores de modo aquecer a sua ninhada do inverno que se avizinha, e ele está a chegar… mas mesmo assim falamos pouco, homens de pouca fala, já chega os vilões da cidade, para falar muito e vigarizar-nos. Aqui sobrevivemos, bolotas por peles, castanhas por cestas, vime por couro, moedas de prata por farinha, trutas e enguias por queijo de cabra, sem mestres nem amos para nos azucrinarem a tola. Espreguiço-me, virando-me para o feroz:
-‘Tá na hora de recolhermos! – ele levanta-se, coça as orelhas com as patas traseiras e mira-me, enquanto abana aquela cabeçorra castanha, expulsando baba para todos os lados. Recolho a lenha no cesto às costas e, chagado das mesmas, enveredamos os dois pelos trilhos abertos da floresta altaneira. Relanço a vista à minha sinistra, onde o imenso vale se vislumbra, tentando ver se a distante Argentium continua sem arder. Isso é bom sinal, sinal que eles continuam longe… algures, nas vias esburacadas, saqueando.
Parado, admiro o portentoso vale rodeado das ásperas elevações, sinto um arrepio no fundo da barriga, recordando a proibida áugure:Aviso-te, Madaecis, virão tempos de fome, guerra e peste! Oremos a São Sebastião, crivado de flechas! Mas,,, de que vos apoquenteis? Afinal, a machorra da tua bruxa é estéril!?As palavras da vidente ressoam-me nos ouvidos… Não, não era o facto de ela ser estéril que massacrava a minha mente à noite não me deixando dormir, … virão tempos de fome, guerra e peste.O cão ladra, chama-me de volta ao inclinado trilho, descemos inseguros baloiçando.A meio da descida assobio para o cabeça dura embrenhado no meio do bravio pinhal. Duma bouça abscondita ele, zurrando, responde ao meu chamamento,deixo que o burro vá à frente, sabedor que onde ele pisar eu pisarei com segurança.Segue o burro! Relembro o brado da minha coorte da distante Dácia, está tudo tão longe e tão perto, perto demais para tudo voltar a acontecer, Zalmonix dizia o quê disso? Algo a ver com a circularidade…omnia semper reuocatur agitatio
O tempo, esse danado, esse fideputa, sempre volta a agitar as águas!
Era o fundo, era o vazio, e de todas as vezes que o sonhara, tentara-o levantar. Como se fosse possível levantar o abismo, quando estamos crucificados ao contrário por um imperador de nome Diocleciano.
Esses tempos já lá vão…distantes e confusos, imersos no ópio que consumia diariamente. Tal facto, ditou o entorpecimento do corpo, daí, anestesiado até ao tutano, eu não ter cedido à idolatria, e como já me tinha tentado matar, farto de chacinar os camelos dos partos; quando a guarda pretoriana negra nos prendeu e nos supliciou ao contrário. Eu, aliviado, finalmente achara um sentido para a minha vida; morrer como um mártir, adorando o Deus do Carpinteiro Crucificado.
Às vezes cogito que nem sei como me safei: um centurião caridoso e pagão pagou para nos libertarem a mim e mais três. Descido da cruz invertida, antes que os meus órgãos explodissem, deambulei perdido em Palmira, mendigando pita[1] e prestando assistência a um mercador de nome Armínio.
Ele levou-me pela rota das sedas até uma campa de um profeta chamado Issa, e em cuja lápide dois pés cortados apontavam Jerusalém. Lá, no lago, perante um calor ensurdecedor, encontrei finalmente a paz e uma motivação unificadora para isto tudo.
Nunca mais me tentei matar e agora, como um eremita na distante Gallaecia, cortando lenha para sobreviver aguento. Aguento e rezo a um Deus dos Desertos, autoritário e cru. Senhor dos Sete Mandamentos.
Eu, que na porta da soberba e da luxúria tinha entrado tantas vezes… que sou eu, agora? Um navegante da obscuridade? Um peregrino de almas? Um pastor das necessidades perdidas espirituais? mas que digo? aqui perdido, produzindo carvão para outros ainda mais isolados do que eu! Onde eles estão? O eremita da gruta altaneira? O pastor das sete cabras? O apascentador de bois que sabe os segredos do ferro, a cinzenta bruxa que deduz presságios das entranhas das lebres?
Oh! Triste aurora que se anuncia, não és mais do que a prenunciadora do fim do império romano! Um fim triste e decadente tal como a fugaz constelação sagitariana.
Assobio para o lince malhado que me mira das alturas das fragas. Relembro o frio do deserto sírio e rezo uma oração, fazendo o sinal da cruz para que os ladrões não me destruam a compostagem da madeira encravada no vale-de-lobos.
Per signum crucis de inimicis
Libera-nos Deus noster
In nonime Patris et Fílii et Spirito Sancto
Amen
- Amen!! – Digo, vendo que o lince, boqueando um repasto, me traz a minha parte. É um prodígio que se assiste! Quiçá, eu seja um santo! Só que em vez de ser um corvo que traz um pão milagrosamente como faz a tantos eremitas puros, a mim, um pecador obstinado, é um lince que traz uma fibrosa lebre. A mim, isolado no topo do mundo, na serra mais degredada do ocidente, aguardando os fins dos meus dias, esvaziando a ampulheta da existência.
Esperando o juízo final, em que a ceifeira de cristo me tome a alma.
Hoje caminhei, levantei-me as cinco da manhã, deixei a cidade de entulho e subi às alturas, o carro guina em cada curva de granito altaneiro, lá no bosque dos abetos andei à mata à cata de mim mesmo, à cata do Espírito Santo imerso nos carvalhos, nos castanheiros, nos sobreiros, na estabilidade outonal das diáfanas folhas caídas do crepúsculo….
Como um comando galguei mato e desbaratei arvoredo no negrume, à espera da alvorada. Nas margens dum lago fumei meu cachimbo de tabaco com essência a baunilha, vagueei perdido pelo monte comendo duas bananas. Na barragem desci as escadas tortuosas da vida; lá em baixo; a força das águas volteiam em contínuos, fortes e ininterruptos jatos refrescantes e vigorosos.
Parei, bebi chã preto, café e chã verde e escrevi e senti-me desperto. O lago á minha frente aplanava o meu fruir, a minha escrita automática…
Sim, sou escritor e um escritor é um egoísta, existe uma canção de uma banda rock chamada “ Love and rockets” e cantam este refrão;
People like to hear their names,
I'm no exception,
Please call my name,
Call my name
- llamar a mi nombre! es esto! La fama! – mas sabem uma coisa; eu não quero fama, tal como Viktor Frankl dizia: “ se cagares para o sucesso ele acontece”. É como eu me sinto agora a escrever num site castelhano, caí de paraquedas aí, no scribook? Como me podem ler com o google tradutor?! mira no lo entendo! Mira! no entendo!
Exista o salmo do bom pastor: a tua bondade e o teu amor acompanhar-me-ão todos os dias da minha vida! quero saber do purgatório para nada! para mim é igual passar 10 minutos ou 5 mil anos do purgatório, lá não existe tempo, apenas estás voltado para ti mesmo pensando nos teus erros, no teu passado, no que deverias ter dito e não disseste, no que deverias ter dado e não deste.
Recebeis de graça dai de graça…tal como o Ungido Christus diz: recibes grátis, regala grátis…vos quiero a todos à scribook! Feliz navidad. ME GUSTAM MUCHO TODOS!
Ville Vargo era imortal, não! não era vampiro, nem bebia o sangue espesso que saía às golfadas pela jugular dos mordidos.
Tenho uma teoria quanto ao elegante e dandy Ville Vargo: Ou ele era o eterno judeu vagante, teoria que eu pus de parte dado que o seu prepúcio não estava cortado, sim! eu já vi o corpo esbelto de Ville Vargo, parece um Deus Grego, mas isso é natural, Ville Vargo é imortal e das duas uma, ou é o Santo Longinus que perfurou o lado de Christus e foi regado com sangue, sémen e agua ou é o ladrão impenitente que estava à esquerda do Carpinteiro crucificado.
Ville Vargo está condenado a passar a eternidade errante vagueando pelo mundo. Até que um dia ele se apaixonou; foi na era vitoriana e ele participava dos saraus culturais organizados pelo Lord Byron; lá todos tentavam criar histórias de fantasmas, o Polidori, o Frankestein da Mary Shelby e outros tantos desgraçados. bebiam, dançavam, drogavam-se enfim… eram Vitorianos e ultra-românticos…mas a Ville Vargo não lhe interessavam as historias romenas e bálticas de vampiros, apenas lhe interessava a jovem alba e ruiva de nome Natalie Wellington, ele sabia que seria má ideia cortejá-la e possuí-la mas Ville Vargo tinha desejos carnais e a sua pila eterna estava sempre hirta e cheia de sémen que espalhava em abundante jorros.
Foi um erro apaixonarem-se perdidamente um pelo outro e no lago gélido escocês, terem feito amor como nunca fizeram e amado como nunca amaram, amado tanto até à perdição do corpo e da alma , se era que lhe ainda restava alguma alma em Ville Vargo…
A tuberculose levou a vida de Natalie Wellington, mas Ville Vargo sabia ir ao lugar dos mortos e poderia resgatá-la. Foram apenas três pessoas que foram ao inferno dos mortos e voltaram são esses:
O herói da mitologia persa Gilgamés, o grego Orfeu e o próprio Ungido Yeshua Christus.
Ville sabia que podia, tal como na cancão do grupo rock Him, deslizar por debaixo da pata de Lúcifer e dar à amada na casa dos mortos um último beijo, mas valeria a pena? Ville ficou a pensar nisso trezentos anos:
Estamos em New-York, está frio e chuva, Ville põe os seus phones nos ouvidos e ouve a canção:
My hell begins from the 10th and descends to the circle
Six hundred threescore and six
And from there I crawl beneath Lucifer's claws just for one last kiss
Tu historia está bien escrita, pero nos das demasiados datos en muy poco espacio. Esto hace que la historia parezca un poco precipitada. Creo que quedaría mejor si le dieras más extensión. Así podrías recrearte en cada parte del texto y, al mismo tiempo, los lectores podríamos disfrutar un poco más del relato. Creo que deberías contarnos con más detalle la historia de este dandy inmortal.
@Lola Pena Dovale olá, enviei-te uma mensagem paar ao privado, mas de qualquer maneira, julguei que só podíamos editar só uma página word nos contos, sabes se podemos editar um texto mais extenso? abraço
Ville ouvia a canção dos Him muitas vezes, normalmente no metro, debaixo da superfície, bem dentro do solo, afastado da luz das estrelas. Natalie costumava-lhe sussurrar ao ouvido:
- …para eu te mostrar a luz(das estrelas) eu vi a escuridão! …seus carnudos lábios mordiscavam ao de leve seu lóbulo.
À superfície, Vargo preferia sons mais positivos como a banda gótica Type O Negative, mais positivo não poderia ser. Adorava ouvir summer breeze, enquanto corria em Central Park ou em Meadowlands. Já quando queria ver gente atarefada e turistas, ia até Lower Manhattan ou mesmo Tribeca comer uma boa mariscada comigo.
Podemos dizer que eu sou o relator de Ville, ele mesmo deu-me um beijo nos lábios e safou-me da gripe espanhola há 90 anos. Eu, na altura, era um espanhol que fugira da guerra civil espanhola para Portugal. Sim! eu introduzi o estrugido e o estufado em Portugal! fui dos primeiros! mas, enquanto as bombas nazis caídas em Guernica não me apanharam, nem os comunas que arrancavam à dentada os olhos das freiras me deitavam a mão, a doença pestilenta apanhou-me. Passo a explicar: estava eu na baixa lisboeta, no restaurante da moda nos anos 40, e todos elogiavam a minha culinária confecionada por Francisco Franco, o meu nome! A vida é irónica, não acham?
Onde ia eu? Hum…o raio da gripe espanhola apanhou-me, decerto foi no mercado de peixe que a doença entrou nos meus poros ou com a minha amante Matilde ou o meu amante Finório! jogava dos dois lados da barricada!
Via Ville no restaurante como um tipo calado que ouvia fado, meio melancólico e pairando acima dos outros.
Ora, quando atolado em vómitos de sangue, sem hipótese nenhuma de sobrevivência, ele entrou no meu andar de Alfama, apartou a minha amante não muito melhor do que eu e confidenciou-me:
- Eu estou em Christus…Sou imortal, Ele beijou-me, trocou-me as voltas o filho da Mãe..
Eu logo senti algo por mim acima, a mão dele era gélida, glacial…mas só o tocar, soube-o, intui-o, sei lá, ele era… ou foi Judas Iscariotes e o beijo supostamente era para ser dado na face, só que Yesus virou o rosto de repente e os lábios de Judas encontraram o do Ungido e Iscariotes viu e começou a crer verdadeiramente, era tudo o que precisava. O beijo dar-lhe-ia a imortalidade até ao juízo final…eu deixei-o beijar-me, mas só me deu 90 anos de vida sã, que se devem estar a acabar, na altura, levantei-me logo e perguntei:
- E a minha amante? – ele levantou-se, respondendo-me:
- Tu cozinhas melhor. – encolheu-me os ombros. Ville era irónico, sarcástico e indiferente. Ainda não sei até hoje porque o sirvo como cozinheiro, relator, motorista, mas depois penso, no Drácula de Bram Stoker, tínhamos o mr. Renfield que servia o vampiro. Suponho que tenha de o servir, a ele, Ville Vargo, o boémio nova-iorquino pintor cubista/abstracionista que tem remorsos de não ir ao inferno visitar Natalie porque, simplesmente, está indeciso.
Paro de escrever, a chuva, lá fora, cessa de cair, pego nos phones de Ville e oiço…parece a banda gótica lacuna coil:
Sometimes the sun shines cold /The road is lonely as I walk alone…
Francisco Franco está moribundo e os seus 90 anos de vida sã estão no limite. Sendo ele catalão de nascença, Ville deu ao seu Reinfield um último consolo: acabar os seus dias de vida com ele em Barcelona porque Franco era catalão e Barcelonês.
Vargo ainda trabalha como pintor/abstrato/cubista/ impressionista/pontilhista, mistura estilo com estilo, pinta num caótico amplexo de sinfonias de cores e influências várias e vende, na net, para abonados, telas de 3 por 3 metros…
Pôs, à minha disposição, os melhores cuidados paliativos de uma clínica de luxo num grande estúdio em Las Ramblas.
Neste momento, a minha cama automática e articulada recebe o meu comando para erguer-se. Fico sempre curioso no que ele andará a trabalhar agora. Mum… afinal é um tríptico, quer dizer só se for o nome das pragas porque, de resto, os quadros nada têm a ver uns com os outros a nível temático. Vargo não segue escolas, mas pinta com uma técnica, segundo diz ele, superior aos seus mestres. Ville teve bons mestres, bebeu de todos os renascentistas, afinal tinha tempo. Aprendeu desde a perspetiva de Paollo Ucello ao contraste de luz e sombra de Rafaello e superou-os a todos.
São três telas deitadas no chão do estúdio, todos medem três por três metros. Um, A gripe espanhola, parece Guernica com corpos desmembrados, touros febris, disléticas velhas a tossir, tísicos a vomitar bílis, um mix de impressionismo e surrealismo! A segunda é a Tuberculose aproximando-se do estilo do pintor inglês John William Waterhouse. Representa a ruiva e alva Natalie a afogar-se numa charneca escocesa. Seus cabelos entrelaçados parecem querer resgatá-la do seu afundamento no lodo. A tela é ultra-romântica, ultra-realista e sombria. Natalie está de braços abertos como Eurídice a afundar-se no Hades separando-se do inalcançável Orfeu. A terceira tela é um colorido Andy Warhol e é puro pop: intitula-se O Covid…é uma bola escarlate com espigões com uma máscara cirúrgica a dizer em tom rosa fuck-covid e atrás parece que nasce um sol que envolve o “bicho”. Este artista mistura temáticas díspares e vende como merda. Contratou um espert de TIC (Tecnologias de Informação) e vende tudo on line. Os japoneses e os sul-coreanos ricos adoram-no e pagam cerca de 15 mil euros por uma tela só para ter um Ville Vargo.
O eterno vagante deixa de pintar e sobe ao meu andar, verificando tubos e ritmo cardíaco na máquina. Eu enlaço a sua sempre mão glacial e gélida: ele mira-me com aquele olhar vazio dum imenso azul. Ville fazia-nos sonhar com o seu olhar, era hipnótico. Gostei de o servir estes anos todos, foi um privilégio, faço-lhe um último pedido:
- Promete-me que a vais ver à mansão dos mortos?
- É assim tão importante para ti, Franco, agora no final da tua vida terrena? – creio que uma lágrima descai pelo seu esbelto rosto, apanho-a docemente e era ácida. Ele acede ao meu pedido:
- Sim, eu deslizarei por debaixo da pata de Lucifer e lhe darei um último ósculo.
Depois do meu funeral, Ville regressou ao estúdio e desdobrou um mapa-mundi de Alberto Cantino. Lá estavam as sete entradas para o Hades existentes na terra. Obviamente não irei pela óbvia entrada do rochedo do tempo de Salomão, onde os templários prestavam culto a Satanás para ele não sair pela brecha, até o diabo se esqueceu de nós… mirou a mais longínqua, a do Afeganistão. Sim… a viagem ainda demoraria algum tempo, muitos voos, estradas poeirentas e zonas de guerra, e talvez assim me arrependa e volte para trás, à minha vidinha de artista boémio catalão…
Porque será que Vargo tem medo de descer ao Hades? Natalie Wellington está suspensa, sem o seu último beijo ela não poderá ir para o purgatório e assim seguir a ordem natural. O eterno vagante sabe que Natalie não tem noção do tempo no Hades, cinco séculos ou cinco mil anos são iguais para a sua amada…logo ele tem tempo. Não sabe porque está indeciso, mas ,por outro lado, seu Senhor Yesus Christus o faz esperar até ao juízo final, não? Ville tem todo o tempo do mundo, põe os phones e ouve a música:
I'm waiting for you to drown in my love
So open your arms
Relança ao de leve o olhar languido no salmo 116 da original bíblia de Jerusalém em pergaminho…
Visto que me livraste da morte, das lágrimas, meus olhos e meus pés da queda, andarei na presença do senhor na terra dos vivos.
Tu escrito, pese a tener algunas partes muy buenas, con unas imágenes muy bellas, resulta un poco abrumador porque nos das muchos datos en muy poco espacio. Esta es mi opinión, que no tiene porque ser válida; es únicamente mi sincera opinión. Sólo te cuento lo que a mí me pasó leyendo las tres partes de tu relato. Me da la sensación de que es como un resumen o un boceto de una historia mucho más larga y más desarrollada. Anímate a desarrollarla más, a darnos un poco más dosificados los datos relativos a tu protagonista. Creo que eso nos permitiría disfrutar más de la historia.😉 Te mando un saludo
Hoje, de manhã na biblioteca não havia luz. Sem eletricidade não há net, sem net não se trabalha meus animais digitais!
A boss mandou-me limpar o entulho da revista “tentáculo” para libertarmos uma sala para os livros. Visto o fato macaco e toda a manhã andei a carretar caixotes de revistas antigas que não interessam a ninguém.
Numa dessas vezes, ajoelhei-me para empurrar um pesado caixote arrastando-o pelo chão. Nesse momento de joelhos arrastando o peso das revistas, humilhado, redentorado, tive uma epifania: Discirno que iria, quando morresse, para o purgatório. O que é bom, eu não queria ir para a Geena onde há choro e ranger de dentes, esse prazenteiro lugar está reservado aos pedófilos, violadores, assassinos voluntários et al.
O meu purgatório. Sabem aquele sitio onde as almas em graça tem que esperar e purgar, é , no meu caso, um infinito arquivo. Antiquado, bafiento, com milhentas estantes alinhadas. Luz artificial amarela que pisca e onde se ouve música de elevador. Sim! adivinharam, eu trabalharei no arquivo do registo da vida das almas, e elas são triliões e triliões e lá, nos seus dossiers, está a vida toda delas.
São Mateus dizia que Cristo disse: todos os vossos cabelos estão contados e isso é verdade… Nesses dossiers está toda a vida de uma alma; o gato que afogou, o cão que partiu a perna, a maça que roubou ao vizinho, o mijar do padeiro na massa do pão que leveda para os clientes da padaria comerem de manhã. Enfim todos os pecados veniais, dado que somos um arquivo de almas em graça, o outro arquivo é gerido pelo mafarrico, mas aqui nunca falamos dele, é nos proibido sequer mencionar o nome dele, mas os boatos que circulam é que o arquivo dele é 10 x maior do que o nosso, e o nosso é infinito.
A minha função aqui no arquivo do purgatório é simples; sempre que São Pedro recebe uma alma pelos portões lá de cima, ele delega em alguém a função de ir buscar o dossier da alma cá em baixo. Perdão, esqueci-me de dizer que as coisas boas que a alma praticou também se encontram escritas no dossier. Onde eu ia? Bom, ele delega em alguém e esse alguém ou é um anjo menor da hierarquia, normalmente um cupido ou uma criança-anjo dado que esses são mais rápidos e ligeiros ou então uma beata ou um venerável.
A estrutura no céu é piramidal, é tipo uma grande empresa. Vem um desses e pede-me o dossier da alma x ou y para o mestre Pedro lá em cima consultar e lá vou eu ver no alfabeto onde está o dossier. Esqueci-me de vos dizer que aqui no purgatório 5 mil anos ou 5 sec. são iguais, não há tempo, ou seja, não há a noção de tempo como aí na terra.
Ainda não percebi como não digitalizaram tudo?! Mas o argumento é de que a revolução digital é feita pelo demo, as clouds, os face-books, instagrams e whatsapps é trabalho de Satanás, só que o diabo digitalizou todos os seus dossiers e continuou com o formato papel com o seu arquivo 10 x maior do que o nosso, não vá o diabo tecê-las e ir tudo ao ar com um grande apagão! Perceberam a piada?
- Claro que temos descanso aqui. Tenho colegas que adormecem comigo, passamos por um torpor ou pelas brasas, dormitamos. Sei que no fim do trabalho eu e meus colegas, relaxamos numa sala, no meu caso fumo cachimbo de essência de baunilha ou cereja e bebo duas cidras frescas. Tenho um judeu a meu lado com quipá(boné redondo) e talit(xaile) de 70 anos que masca tabaco e bebe absinto e outro rapaz novo que saca prazer a pedalar numa dessas bicicletas de ginásio que não saem do sitio, diz que é o que gosta de fazer. Não falamos, porque no purgatório estamos metidos connosco mesmo a pensar no que deveríamos ter feito e não fizemos na nossa vida. Apesar disso trocamos pensamentos com nossos colegas de trabalho e com a beatas, veneráveis e anjos que recolhem os dossiers.
É a minha hora de descanso na sala do bar, as minhas cidras frescas estão no ponto e a chaminé do meu cachimbo está atulhada de tabaco de essência de cereja.
Descanso e vejo o judeu a sentar-se e o moço novo a pedalar e pensamos na nossa vida terrena anterior, no que deveríamos ter amado e não amamos, na compaixão que não derramamos, no amor que não espalhamos, dai de graça que recebeis de graça
Relembro o evangelho segundo Jesus guardado da biblioteca de pergaminhos no andar de cima:
Era algo do género: todos os vossos pentelhos estão contados…com a medida que medirdes serás medido…
Hola, Mario. Te recomendamos que mejor publiques directamente en el muro (sin anexar un documento) para que sea más fácil que lean tus historias. Un saludo.
Aquele André Brun[1] dá-me cabo do juízo!
Ferme du bois[2], 16 de Junho de 1917
A aurora abria-se e a claridade dos very-ligths vai sendo substituída pelo sol ainda pálido do início do estio. Como toupeiras negras, vamos emergindo do nosso buraco para o triste inferno a que fomos votados pelo governo republicano.
- Pedro de Freitas[3], ainda sobrou rum? – o lazarento cospe terra e acena-me afirmativamente.
Adoramos as manhãs, são tranquilas como a morte e isso é uma bênção caída do céu. Aventuro-me a pôr a cabeça acima da trincheira perscrutando o horizonte e a linha de arame farpado. Lembro-me subitamente das irmãs Ajus e Joé[4] e do seu famoso opiário por detrás do coliseu. A noite é terrível, em Lisboa a noite era a dança e o frenesim dos botequins, aqui é o triste inferno vivido na carne e agradecemos ao governo republicano por tal dádiva.
Uma hora antes do cair da noite aperta-se-nos o estômago, as sombras envolvem-nos e todos nos interrogamos:
O von da costa virá? A baioneta do boche irá tentar espetar-se-nos no bulho, deixando as nossas tripas pela lama?
Os oficiais da retaguarda não sabem disso, atulhados na burocracia do seguro bunker. Malditos! como eu os detesto! não sabem que de noite todos os medos estão à flor da pele. Não sabem que ou vamos de patrulha com o alicate tentando furar o arame farpado e tomar uma trincheira ou então ficamos à espera que eles caiem em cima de nós com aqueles elmos pontiagudos a gritarem pelo imperador.
Malditos oficiais de retaguarda! E quando não é isso, é o maldito gás debaixo da trabuzanada das metralhadoras.
Escutamos os ecos da guerra em plena escuridão e nossos corações são como as nossas olheiras, fundas e negras, sem esperança nem remissão. Lá estão eles, os malditos, a inspecionar-nos:
- Hora das visitas meu alferes, os caralhos não vêm de noite. – censura Pedro. À frente deles um oficial que tirou o curso comigo, André Brun de sua graça, parecia bem disposto depois de ter tido uma noite confortável com uma cama fofa de palha. Fuma uma cigarrilha e admoesta-me:
- Alferes Malheiro! existem homens que já estão a dormir vestidos encostados aos sacos, é uma falta de aprumo! E está tudo cheio de cartuchos vazios no chão, é um desmazelo!
- André Brun, você só serve mesmo para escrever comédias, não é verdade?
- Como?
- Nada. – Brun vê um livro de couro caído, apanha-o e abre-o, olha para mim e comenta:
- Então… se em vez de escrever, você tratasse do aprumo das trincheiras, estávamos bem melhor. - riem-se todos. Passa-me o meu diário.
Raios! quando é que eu escrevi isto? Foi ontem decerto. Ando mesmo repetitivo... pudera! todos os dias a viver o mesmo inferno, releio as primeiras linhas:
A aurora abria-se e a claridade dos very-ligths vai sendo substituída pelo sol ainda pálido do início do estio…
----------------------------------------------------------------- [1] Escritor, jornalista e dramaturgo [2] Frente da primeira grande guerra no norte de França [3] Soldado que participou na grande guerra e que deixou um diário escrito [4] Curandeiras vindas de Xangai, estabelecidas em Lisboa
A Coca de Monção
635 d.c
O rugido, gutural e cavernoso, emerge do fundo lodoso da tenebrosa gruta ecoando nas falésias à beira rio. Pascásio de Dume retira a lança de caçar javalis da água benta empunhando-a atabalhoadamente, eu acalmo-lhe o nervoso pulso relaxando-o:
- Tenha calma Frei, ela não vai sair da toca, tenho que ir lá eu. – ele engole em seco coçando a tonsura.
- Deixe lá, é para isso que me pagam. – digo-lhe, pondo-me de pé, tomando o peso da azagaia e, depois de ajeitar a pesada armadura de escamas, continuo a confidência:
- Quando o Xamã me disse, na minha longínqua infância na estepe, que seria caçador, eu, na minha inocência, presumi que fosse treinar com os cães dos alanos, só me apercebi que a coisa era séria mesmo, foi quando o maldito feiticeiro me obrigou a tomar uma infusão de cogumelos mágicos. A contra-gosto bebi sabendo que aquela mistela provocaria visões, durante uma hora andei à volta com aquilo no estômago. Depois é que foram elas, o xamã levou-me a uma fenda…
- A uma fenda?
Relembro a dor ausente como uma súbita facada no estômago, …” encurvo-me derramando o hidromel pontapeando o banco e atirando a bandeja ao chão, lá fora o vento rugia. O huno pega-me pelos cabelos puxando-me a cabeça para trás e berrando-me ao ouvido:
- Não te apagues e abre os olhos! - mas parece que tudo explode na minha cabeça, a realidade contrai-se e dilui-se, sei que estou nu no chão e a cabana encolhe-se e aumenta…
- Concentra-te no fogo Dagoberto, é essa a essência deles!- Focalizo a fogueira, e ouço… ouço…os cânticos do xamã do país das eternas neves ressoando-me nos intrincados labirintos da mente. Parecia que estava de volta a algo, à minha infância, mas como posso recuar à minha infância? será que já cresci? Lentamente ou de repente, tudo se aclara e fico desperto tal qual falcão planando no alto da montanha branca à cata de presa.
- Perguntas-te o que fazemos aqui?
- Eu sei o que fazemos aqui Mestre, vocês procuram dotados. – respondo-lhe. Dói-me novamente a barriga e torno a curvar-me, o cogumelo das visões cobra o seu preço.
- Sabes Dagoberto o homem para sobreviver sempre lutou contra quem o quer devorar e controlar, seres míticos e imortais que nos tentam sempre pisar a cauda.
- A cauda?
- Sim Dagoberto os homens já tiveram cauda e um olho aqui no meio da tua testa, o mesmo que estás a abrir agora. – noto que algo está lá fora a escarafunchar.
- Mestre…- pergunto febril..- Existe algo lá fora? no vento gélido?
- Sim, existe algo lá fora mas não estão no vento gélido, estão noutro nível, no dos infernos…- fico assustado.
- Queres espreitar? – leva-me amarrado aos ombros por uma frecha da tenda, o vento parará de uivar e a medo e com tremuras miro pela fenda através da escuridão. A princípio a visão lacrimejava e não via nada mas depois, algo se movia rapidamente nas trevas primordiais e eram vários e eram rápidos e pelos sons grotescos que faziam, estavam a devorar e a triturar o que me pareceu ser pedaços de nada, o mestre puxa-me de volta:
- Dago.. o que eles estão a fazer? pensa com teu terceiro olho, o mesmo que usas para os ver. - Raciocino e deixo brotar as conclusões óbvias:
- Eles estão a devorar a realidade, mas quem raios são eles mestre? – o huno torna a levar o meu terceiro olho à fenda negra da tenda. De novo enxergo; devoravam com as suas largas mandíbulas e seus afiados dentes pedaços de ar que se tornava matéria nas suas bocas como nacos de carne. Um deles, de pele escamada de cobra oleada, aproxima-se da fenda e põe-se a perscrutar-me com um olhar agudo de lagarto brilhante e amarelado, grito e tento escapar, o mestre puxa-me para trás e desfaz a fenda como se atirasse areia e terra para tapar um buraco invisível…ajoelho-me de cócoras.
- Água, água! Por Wodanaz! pelos nove deuses do palácio de estacas! mestre o que foi o que eu vi?...” Fico anestesiado olhando a gruta…
- Que é que viste Dadoberto?
- Freire, farás uma história sobre mim?
- Todos os anos te farei uma homenagem se a derrotares, mas… afinal o que viste…eram o quê? Rapaz! – encolho os ombros:
- Eram dragões!
Mário D’Escócia
O Tempo Sempre Volta Agitar as águas
Cabeceiras de Basto… 410 d.c.
Detenho-me, preguiçosamente, a ouvir o vento uivando agreste pelas penedias e pelos altos e esguios pinheiros que atulham o sopé que nos dá proteção e guarida. O mesmo foi atravancado de pinhos há 300 anos atrás por um colono romano rico de nome Apiano, daí o monte se intitular de Apino.
Inicialmente servia produzir resina para calafetar os barcos, combustível para as tochas e pez para o exército. Agora, está tudo ao abandono, mas é bom! Nestes tempos de depredação é bom estar isolado com a minha dama cá em cima, produzindo carvão, resina, lenha, apascentando o gado, esse labor vai-nos dando algum sustento longe de tudo e todos…longe do céu e do inferno, num limbo natural periclitante em que só nos oiçamos a nós mesmos e é isso que faço. Longos dias em que me oiço a mim mesmo, com a companhia do feroz, ou do cabeça- dura ou uma mais selvagem que me vela distante à cata da sombra da minha comida. Lá está ele…um lince magnífico listrado que se confunde com o meio, chamo-lhe Constantino e penso no nosso último grande imperador. Fugidio, à cata, lambendo-se soalheiro alapado num penedio fragoso, quente de estio.
Mas o outono chega em ondas cada vez mais frias e eles já ultrapassaram os Pirinéus, pelo menos é o que a minha dama sussurra, ouvindo as vozes das aves. Eu, o contacto que tenho com os locais é quando, de mês a mês, um longínquo pastor me acena com o cajado do outro lado da falésia ou um lenhador mais afoito me pede para cortar as minhas árvores de modo aquecer a sua ninhada do inverno que se avizinha, e ele está a chegar… mas mesmo assim falamos pouco, homens de pouca fala, já chega os vilões da cidade, para falar muito e vigarizar-nos. Aqui sobrevivemos, bolotas por peles, castanhas por cestas, vime por couro, moedas de prata por farinha, trutas e enguias por queijo de cabra, sem mestres nem amos para nos azucrinarem a tola. Espreguiço-me, virando-me para o feroz:
-‘Tá na hora de recolhermos! – ele levanta-se, coça as orelhas com as patas traseiras e mira-me, enquanto abana aquela cabeçorra castanha, expulsando baba para todos os lados. Recolho a lenha no cesto às costas e, chagado das mesmas, enveredamos os dois pelos trilhos abertos da floresta altaneira. Relanço a vista à minha sinistra, onde o imenso vale se vislumbra, tentando ver se a distante Argentium continua sem arder. Isso é bom sinal, sinal que eles continuam longe… algures, nas vias esburacadas, saqueando.
Parado, admiro o portentoso vale rodeado das ásperas elevações, sinto um arrepio no fundo da barriga, recordando a proibida áugure: Aviso-te, Madaecis, virão tempos de fome, guerra e peste! Oremos a São Sebastião, crivado de flechas! Mas,,, de que vos apoquenteis? Afinal, a machorra da tua bruxa é estéril!? As palavras da vidente ressoam-me nos ouvidos… Não, não era o facto de ela ser estéril que massacrava a minha mente à noite não me deixando dormir, … virão tempos de fome, guerra e peste. O cão ladra, chama-me de volta ao inclinado trilho, descemos inseguros baloiçando. A meio da descida assobio para o cabeça dura embrenhado no meio do bravio pinhal. Duma bouça abscondita ele, zurrando, responde ao meu chamamento, deixo que o burro vá à frente, sabedor que onde ele pisar eu pisarei com segurança. Segue o burro! Relembro o brado da minha coorte da distante Dácia, está tudo tão longe e tão perto, perto demais para tudo voltar a acontecer, Zalmonix dizia o quê disso? Algo a ver com a circularidade…omnia semper reuocatur agitatio
O tempo, esse danado, esse fideputa, sempre volta a agitar as águas!
Tempus Fugit
Por
Mário Escócia
Era o fundo, era o vazio, e de todas as vezes que o sonhara, tentara-o levantar. Como se fosse possível levantar o abismo, quando estamos crucificados ao contrário por um imperador de nome Diocleciano.
Esses tempos já lá vão…distantes e confusos, imersos no ópio que consumia diariamente. Tal facto, ditou o entorpecimento do corpo, daí, anestesiado até ao tutano, eu não ter cedido à idolatria, e como já me tinha tentado matar, farto de chacinar os camelos dos partos; quando a guarda pretoriana negra nos prendeu e nos supliciou ao contrário. Eu, aliviado, finalmente achara um sentido para a minha vida; morrer como um mártir, adorando o Deus do Carpinteiro Crucificado.
Às vezes cogito que nem sei como me safei: um centurião caridoso e pagão pagou para nos libertarem a mim e mais três. Descido da cruz invertida, antes que os meus órgãos explodissem, deambulei perdido em Palmira, mendigando pita[1] e prestando assistência a um mercador de nome Armínio.
Ele levou-me pela rota das sedas até uma campa de um profeta chamado Issa, e em cuja lápide dois pés cortados apontavam Jerusalém. Lá, no lago, perante um calor ensurdecedor, encontrei finalmente a paz e uma motivação unificadora para isto tudo.
Nunca mais me tentei matar e agora, como um eremita na distante Gallaecia, cortando lenha para sobreviver aguento. Aguento e rezo a um Deus dos Desertos, autoritário e cru. Senhor dos Sete Mandamentos.
Eu, que na porta da soberba e da luxúria tinha entrado tantas vezes… que sou eu, agora? Um navegante da obscuridade? Um peregrino de almas? Um pastor das necessidades perdidas espirituais? mas que digo? aqui perdido, produzindo carvão para outros ainda mais isolados do que eu! Onde eles estão? O eremita da gruta altaneira? O pastor das sete cabras? O apascentador de bois que sabe os segredos do ferro, a cinzenta bruxa que deduz presságios das entranhas das lebres?
Oh! Triste aurora que se anuncia, não és mais do que a prenunciadora do fim do império romano! Um fim triste e decadente tal como a fugaz constelação sagitariana.
Assobio para o lince malhado que me mira das alturas das fragas. Relembro o frio do deserto sírio e rezo uma oração, fazendo o sinal da cruz para que os ladrões não me destruam a compostagem da madeira encravada no vale-de-lobos.
Per signum crucis de inimicis
Libera-nos Deus noster
In nonime Patris et Fílii et Spirito Sancto
Amen
- Amen!! – Digo, vendo que o lince, boqueando um repasto, me traz a minha parte. É um prodígio que se assiste! Quiçá, eu seja um santo! Só que em vez de ser um corvo que traz um pão milagrosamente como faz a tantos eremitas puros, a mim, um pecador obstinado, é um lince que traz uma fibrosa lebre. A mim, isolado no topo do mundo, na serra mais degredada do ocidente, aguardando os fins dos meus dias, esvaziando a ampulheta da existência.
Esperando o juízo final, em que a ceifeira de cristo me tome a alma.
[1] Pão árabe fino e sem fermento
Mário Escócia
Hoje caminhei
Hoje caminhei, levantei-me as cinco da manhã, deixei a cidade de entulho e subi às alturas, o carro guina em cada curva de granito altaneiro, lá no bosque dos abetos andei à mata à cata de mim mesmo, à cata do Espírito Santo imerso nos carvalhos, nos castanheiros, nos sobreiros, na estabilidade outonal das diáfanas folhas caídas do crepúsculo….
Como um comando galguei mato e desbaratei arvoredo no negrume, à espera da alvorada. Nas margens dum lago fumei meu cachimbo de tabaco com essência a baunilha, vagueei perdido pelo monte comendo duas bananas. Na barragem desci as escadas tortuosas da vida; lá em baixo; a força das águas volteiam em contínuos, fortes e ininterruptos jatos refrescantes e vigorosos.
Parei, bebi chã preto, café e chã verde e escrevi e senti-me desperto. O lago á minha frente aplanava o meu fruir, a minha escrita automática…
Sim, sou escritor e um escritor é um egoísta, existe uma canção de uma banda rock chamada “ Love and rockets” e cantam este refrão;
People like to hear their names,
I'm no exception,
Please call my name,
Call my name
- llamar a mi nombre! es esto! La fama! – mas sabem uma coisa; eu não quero fama, tal como Viktor Frankl dizia: “ se cagares para o sucesso ele acontece”. É como eu me sinto agora a escrever num site castelhano, caí de paraquedas aí, no scribook? Como me podem ler com o google tradutor?! mira no lo entendo! Mira! no entendo!
Exista o salmo do bom pastor: a tua bondade e o teu amor acompanhar-me-ão todos os dias da minha vida! quero saber do purgatório para nada! para mim é igual passar 10 minutos ou 5 mil anos do purgatório, lá não existe tempo, apenas estás voltado para ti mesmo pensando nos teus erros, no teu passado, no que deverias ter dito e não disseste, no que deverias ter dado e não deste.
Recebeis de graça dai de graça…tal como o Ungido Christus diz: recibes grátis, regala grátis…vos quiero a todos à scribook! Feliz navidad. ME GUSTAM MUCHO TODOS!
Ville Vargo
Ville Vargo era imortal, não! não era vampiro, nem bebia o sangue espesso que saía às golfadas pela jugular dos mordidos.
Tenho uma teoria quanto ao elegante e dandy Ville Vargo: Ou ele era o eterno judeu vagante, teoria que eu pus de parte dado que o seu prepúcio não estava cortado, sim! eu já vi o corpo esbelto de Ville Vargo, parece um Deus Grego, mas isso é natural, Ville Vargo é imortal e das duas uma, ou é o Santo Longinus que perfurou o lado de Christus e foi regado com sangue, sémen e agua ou é o ladrão impenitente que estava à esquerda do Carpinteiro crucificado.
Ville Vargo está condenado a passar a eternidade errante vagueando pelo mundo. Até que um dia ele se apaixonou; foi na era vitoriana e ele participava dos saraus culturais organizados pelo Lord Byron; lá todos tentavam criar histórias de fantasmas, o Polidori, o Frankestein da Mary Shelby e outros tantos desgraçados. bebiam, dançavam, drogavam-se enfim… eram Vitorianos e ultra-românticos…mas a Ville Vargo não lhe interessavam as historias romenas e bálticas de vampiros, apenas lhe interessava a jovem alba e ruiva de nome Natalie Wellington, ele sabia que seria má ideia cortejá-la e possuí-la mas Ville Vargo tinha desejos carnais e a sua pila eterna estava sempre hirta e cheia de sémen que espalhava em abundante jorros.
Foi um erro apaixonarem-se perdidamente um pelo outro e no lago gélido escocês, terem feito amor como nunca fizeram e amado como nunca amaram, amado tanto até à perdição do corpo e da alma , se era que lhe ainda restava alguma alma em Ville Vargo…
A tuberculose levou a vida de Natalie Wellington, mas Ville Vargo sabia ir ao lugar dos mortos e poderia resgatá-la. Foram apenas três pessoas que foram ao inferno dos mortos e voltaram são esses:
O herói da mitologia persa Gilgamés, o grego Orfeu e o próprio Ungido Yeshua Christus.
Ville sabia que podia, tal como na cancão do grupo rock Him, deslizar por debaixo da pata de Lúcifer e dar à amada na casa dos mortos um último beijo, mas valeria a pena? Ville ficou a pensar nisso trezentos anos:
Estamos em New-York, está frio e chuva, Ville põe os seus phones nos ouvidos e ouve a canção:
My hell begins from the 10th and descends to the circle
Six hundred threescore and six
And from there I crawl beneath Lucifer's claws just for one last kiss
Hola Mário:
Tu historia está bien escrita, pero nos das demasiados datos en muy poco espacio. Esto hace que la historia parezca un poco precipitada. Creo que quedaría mejor si le dieras más extensión. Así podrías recrearte en cada parte del texto y, al mismo tiempo, los lectores podríamos disfrutar un poco más del relato. Creo que deberías contarnos con más detalle la historia de este dandy inmortal.
@Lola Pena Dovale olá, enviei-te uma mensagem paar ao privado, mas de qualquer maneira, julguei que só podíamos editar só uma página word nos contos, sabes se podemos editar um texto mais extenso? abraço
Ville Vargo II
Ville ouvia a canção dos Him muitas vezes, normalmente no metro, debaixo da superfície, bem dentro do solo, afastado da luz das estrelas. Natalie costumava-lhe sussurrar ao ouvido:
- …para eu te mostrar a luz(das estrelas) eu vi a escuridão! …seus carnudos lábios mordiscavam ao de leve seu lóbulo.
À superfície, Vargo preferia sons mais positivos como a banda gótica Type O Negative, mais positivo não poderia ser. Adorava ouvir summer breeze, enquanto corria em Central Park ou em Meadowlands. Já quando queria ver gente atarefada e turistas, ia até Lower Manhattan ou mesmo Tribeca comer uma boa mariscada comigo.
Podemos dizer que eu sou o relator de Ville, ele mesmo deu-me um beijo nos lábios e safou-me da gripe espanhola há 90 anos. Eu, na altura, era um espanhol que fugira da guerra civil espanhola para Portugal. Sim! eu introduzi o estrugido e o estufado em Portugal! fui dos primeiros! mas, enquanto as bombas nazis caídas em Guernica não me apanharam, nem os comunas que arrancavam à dentada os olhos das freiras me deitavam a mão, a doença pestilenta apanhou-me. Passo a explicar: estava eu na baixa lisboeta, no restaurante da moda nos anos 40, e todos elogiavam a minha culinária confecionada por Francisco Franco, o meu nome! A vida é irónica, não acham?
Onde ia eu? Hum…o raio da gripe espanhola apanhou-me, decerto foi no mercado de peixe que a doença entrou nos meus poros ou com a minha amante Matilde ou o meu amante Finório! jogava dos dois lados da barricada!
Via Ville no restaurante como um tipo calado que ouvia fado, meio melancólico e pairando acima dos outros.
Ora, quando atolado em vómitos de sangue, sem hipótese nenhuma de sobrevivência, ele entrou no meu andar de Alfama, apartou a minha amante não muito melhor do que eu e confidenciou-me:
- Eu estou em Christus…Sou imortal, Ele beijou-me, trocou-me as voltas o filho da Mãe..
Eu logo senti algo por mim acima, a mão dele era gélida, glacial…mas só o tocar, soube-o, intui-o, sei lá, ele era… ou foi Judas Iscariotes e o beijo supostamente era para ser dado na face, só que Yesus virou o rosto de repente e os lábios de Judas encontraram o do Ungido e Iscariotes viu e começou a crer verdadeiramente, era tudo o que precisava. O beijo dar-lhe-ia a imortalidade até ao juízo final…eu deixei-o beijar-me, mas só me deu 90 anos de vida sã, que se devem estar a acabar, na altura, levantei-me logo e perguntei:
- E a minha amante? – ele levantou-se, respondendo-me:
- Tu cozinhas melhor. – encolheu-me os ombros. Ville era irónico, sarcástico e indiferente. Ainda não sei até hoje porque o sirvo como cozinheiro, relator, motorista, mas depois penso, no Drácula de Bram Stoker, tínhamos o mr. Renfield que servia o vampiro. Suponho que tenha de o servir, a ele, Ville Vargo, o boémio nova-iorquino pintor cubista/abstracionista que tem remorsos de não ir ao inferno visitar Natalie porque, simplesmente, está indeciso.
Paro de escrever, a chuva, lá fora, cessa de cair, pego nos phones de Ville e oiço…parece a banda gótica lacuna coil:
Sometimes the sun shines cold /The road is lonely as I walk alone…
Ville Vargo III (O FINAL)
Francisco Franco está moribundo e os seus 90 anos de vida sã estão no limite. Sendo ele catalão de nascença, Ville deu ao seu Reinfield um último consolo: acabar os seus dias de vida com ele em Barcelona porque Franco era catalão e Barcelonês.
Vargo ainda trabalha como pintor/abstrato/cubista/ impressionista/pontilhista, mistura estilo com estilo, pinta num caótico amplexo de sinfonias de cores e influências várias e vende, na net, para abonados, telas de 3 por 3 metros…
Pôs, à minha disposição, os melhores cuidados paliativos de uma clínica de luxo num grande estúdio em Las Ramblas.
Neste momento, a minha cama automática e articulada recebe o meu comando para erguer-se. Fico sempre curioso no que ele andará a trabalhar agora. Mum… afinal é um tríptico, quer dizer só se for o nome das pragas porque, de resto, os quadros nada têm a ver uns com os outros a nível temático. Vargo não segue escolas, mas pinta com uma técnica, segundo diz ele, superior aos seus mestres. Ville teve bons mestres, bebeu de todos os renascentistas, afinal tinha tempo. Aprendeu desde a perspetiva de Paollo Ucello ao contraste de luz e sombra de Rafaello e superou-os a todos.
São três telas deitadas no chão do estúdio, todos medem três por três metros. Um, A gripe espanhola, parece Guernica com corpos desmembrados, touros febris, disléticas velhas a tossir, tísicos a vomitar bílis, um mix de impressionismo e surrealismo! A segunda é a Tuberculose aproximando-se do estilo do pintor inglês John William Waterhouse. Representa a ruiva e alva Natalie a afogar-se numa charneca escocesa. Seus cabelos entrelaçados parecem querer resgatá-la do seu afundamento no lodo. A tela é ultra-romântica, ultra-realista e sombria. Natalie está de braços abertos como Eurídice a afundar-se no Hades separando-se do inalcançável Orfeu. A terceira tela é um colorido Andy Warhol e é puro pop: intitula-se O Covid…é uma bola escarlate com espigões com uma máscara cirúrgica a dizer em tom rosa fuck-covid e atrás parece que nasce um sol que envolve o “bicho”. Este artista mistura temáticas díspares e vende como merda. Contratou um espert de TIC (Tecnologias de Informação) e vende tudo on line. Os japoneses e os sul-coreanos ricos adoram-no e pagam cerca de 15 mil euros por uma tela só para ter um Ville Vargo.
O eterno vagante deixa de pintar e sobe ao meu andar, verificando tubos e ritmo cardíaco na máquina. Eu enlaço a sua sempre mão glacial e gélida: ele mira-me com aquele olhar vazio dum imenso azul. Ville fazia-nos sonhar com o seu olhar, era hipnótico. Gostei de o servir estes anos todos, foi um privilégio, faço-lhe um último pedido:
- Promete-me que a vais ver à mansão dos mortos?
- É assim tão importante para ti, Franco, agora no final da tua vida terrena? – creio que uma lágrima descai pelo seu esbelto rosto, apanho-a docemente e era ácida. Ele acede ao meu pedido:
- Sim, eu deslizarei por debaixo da pata de Lucifer e lhe darei um último ósculo.
Depois do meu funeral, Ville regressou ao estúdio e desdobrou um mapa-mundi de Alberto Cantino. Lá estavam as sete entradas para o Hades existentes na terra. Obviamente não irei pela óbvia entrada do rochedo do tempo de Salomão, onde os templários prestavam culto a Satanás para ele não sair pela brecha, até o diabo se esqueceu de nós… mirou a mais longínqua, a do Afeganistão. Sim… a viagem ainda demoraria algum tempo, muitos voos, estradas poeirentas e zonas de guerra, e talvez assim me arrependa e volte para trás, à minha vidinha de artista boémio catalão…
Porque será que Vargo tem medo de descer ao Hades? Natalie Wellington está suspensa, sem o seu último beijo ela não poderá ir para o purgatório e assim seguir a ordem natural. O eterno vagante sabe que Natalie não tem noção do tempo no Hades, cinco séculos ou cinco mil anos são iguais para a sua amada…logo ele tem tempo. Não sabe porque está indeciso, mas ,por outro lado, seu Senhor Yesus Christus o faz esperar até ao juízo final, não? Ville tem todo o tempo do mundo, põe os phones e ouve a música:
I'm waiting for you to drown in my love
So open your arms
Relança ao de leve o olhar languido no salmo 116 da original bíblia de Jerusalém em pergaminho…
Visto que me livraste da morte, das lágrimas, meus olhos e meus pés da queda, andarei na presença do senhor na terra dos vivos.
Hola Mário:
Tu escrito, pese a tener algunas partes muy buenas, con unas imágenes muy bellas, resulta un poco abrumador porque nos das muchos datos en muy poco espacio. Esta es mi opinión, que no tiene porque ser válida; es únicamente mi sincera opinión. Sólo te cuento lo que a mí me pasó leyendo las tres partes de tu relato. Me da la sensación de que es como un resumen o un boceto de una historia mucho más larga y más desarrollada. Anímate a desarrollarla más, a darnos un poco más dosificados los datos relativos a tu protagonista. Creo que eso nos permitiría disfrutar más de la historia.😉 Te mando un saludo
saludo lola
Todos os vossos pentelhos estão contados
Hoje, de manhã na biblioteca não havia luz. Sem eletricidade não há net, sem net não se trabalha meus animais digitais!
A boss mandou-me limpar o entulho da revista “tentáculo” para libertarmos uma sala para os livros. Visto o fato macaco e toda a manhã andei a carretar caixotes de revistas antigas que não interessam a ninguém.
Numa dessas vezes, ajoelhei-me para empurrar um pesado caixote arrastando-o pelo chão. Nesse momento de joelhos arrastando o peso das revistas, humilhado, redentorado, tive uma epifania: Discirno que iria, quando morresse, para o purgatório. O que é bom, eu não queria ir para a Geena onde há choro e ranger de dentes, esse prazenteiro lugar está reservado aos pedófilos, violadores, assassinos voluntários et al.
O meu purgatório. Sabem aquele sitio onde as almas em graça tem que esperar e purgar, é , no meu caso, um infinito arquivo. Antiquado, bafiento, com milhentas estantes alinhadas. Luz artificial amarela que pisca e onde se ouve música de elevador. Sim! adivinharam, eu trabalharei no arquivo do registo da vida das almas, e elas são triliões e triliões e lá, nos seus dossiers, está a vida toda delas.
São Mateus dizia que Cristo disse: todos os vossos cabelos estão contados e isso é verdade… Nesses dossiers está toda a vida de uma alma; o gato que afogou, o cão que partiu a perna, a maça que roubou ao vizinho, o mijar do padeiro na massa do pão que leveda para os clientes da padaria comerem de manhã. Enfim todos os pecados veniais, dado que somos um arquivo de almas em graça, o outro arquivo é gerido pelo mafarrico, mas aqui nunca falamos dele, é nos proibido sequer mencionar o nome dele, mas os boatos que circulam é que o arquivo dele é 10 x maior do que o nosso, e o nosso é infinito.
A minha função aqui no arquivo do purgatório é simples; sempre que São Pedro recebe uma alma pelos portões lá de cima, ele delega em alguém a função de ir buscar o dossier da alma cá em baixo. Perdão, esqueci-me de dizer que as coisas boas que a alma praticou também se encontram escritas no dossier. Onde eu ia? Bom, ele delega em alguém e esse alguém ou é um anjo menor da hierarquia, normalmente um cupido ou uma criança-anjo dado que esses são mais rápidos e ligeiros ou então uma beata ou um venerável.
A estrutura no céu é piramidal, é tipo uma grande empresa. Vem um desses e pede-me o dossier da alma x ou y para o mestre Pedro lá em cima consultar e lá vou eu ver no alfabeto onde está o dossier. Esqueci-me de vos dizer que aqui no purgatório 5 mil anos ou 5 sec. são iguais, não há tempo, ou seja, não há a noção de tempo como aí na terra.
Ainda não percebi como não digitalizaram tudo?! Mas o argumento é de que a revolução digital é feita pelo demo, as clouds, os face-books, instagrams e whatsapps é trabalho de Satanás, só que o diabo digitalizou todos os seus dossiers e continuou com o formato papel com o seu arquivo 10 x maior do que o nosso, não vá o diabo tecê-las e ir tudo ao ar com um grande apagão! Perceberam a piada?
- Claro que temos descanso aqui. Tenho colegas que adormecem comigo, passamos por um torpor ou pelas brasas, dormitamos. Sei que no fim do trabalho eu e meus colegas, relaxamos numa sala, no meu caso fumo cachimbo de essência de baunilha ou cereja e bebo duas cidras frescas. Tenho um judeu a meu lado com quipá(boné redondo) e talit(xaile) de 70 anos que masca tabaco e bebe absinto e outro rapaz novo que saca prazer a pedalar numa dessas bicicletas de ginásio que não saem do sitio, diz que é o que gosta de fazer. Não falamos, porque no purgatório estamos metidos connosco mesmo a pensar no que deveríamos ter feito e não fizemos na nossa vida. Apesar disso trocamos pensamentos com nossos colegas de trabalho e com a beatas, veneráveis e anjos que recolhem os dossiers.
É a minha hora de descanso na sala do bar, as minhas cidras frescas estão no ponto e a chaminé do meu cachimbo está atulhada de tabaco de essência de cereja.
Descanso e vejo o judeu a sentar-se e o moço novo a pedalar e pensamos na nossa vida terrena anterior, no que deveríamos ter amado e não amamos, na compaixão que não derramamos, no amor que não espalhamos, dai de graça que recebeis de graça
Relembro o evangelho segundo Jesus guardado da biblioteca de pergaminhos no andar de cima:
Era algo do género: todos os vossos pentelhos estão contados…com a medida que medirdes serás medido…
FIM